O Ademi-AM Connections abriu espaço para um tema que costuma aparecer em títulos e raramente em rotinas: como tirar a inteligência artificial do discurso e colocá-la para trabalhar, todos os dias, no front do negócio. No palco, três olhares complementares — eu, Luís Veloso (Morada.ai), Luiza Ribeiro Caram (Liquid) e Rodrigo José Ferreira (Elera) — com mediação de Diego Avelino. O resultado foi um painel sem rodeios: menos hype, mais método; menos futurismo, mais operação.
O meu ponto de partida: processo, cultura — e só depois tecnologia

Luís Veloso, CRO da Morada.ai, no Ademi-AM Connections. Créditos: Luís Veloso/Morada.ai.
Eu comecei com algo simples (e, às vezes, incômodo): inteligência artificial não conserta processo ruim. Antes de “plugar modelos”, é preciso desenhar a jornada — do primeiro contato ao pós-chaves —, definir o que o agente pode e não pode fazer/dizer e amarrar métricas por etapa. Só então faz sentido automatizar.
Dividi a aplicação prática em três camadas:
1) Pré-venda que não dorme
Agentes respondem no horário em que as pessoas realmente procuram imóveis — muitas vezes à noite e na madrugada —, apresentam plantas, simulam cenários, qualificam intenção e entregam um handoff limpo ao corretor pela manhã (contato, contexto e próximos passos claros).
2) Co-pilot de vendas
Na mesa do corretor, a inteligência artificial funciona como um copiloto que resume histórico do lead, sugere a “próxima melhor ação” e oferece mensagens consistentes com a voz da marca. Em vez de respostas genéricas, o agente opera com persona, políticas e limites bem definidos.
3) Pós-venda empático
Quando o assunto é sensível — boleto, manutenção, prazos — a persona muda: tom claro, cordial e resolutivo, com trilhas de atendimento que encurtam filas e medem satisfação. A meta não é “atender mais”, é reduzir atrito e melhorar a experiência.
“Quem ainda não começou precisa correr. Como a internet, a inteligência artificial chega a todos — a diferença está em quem organiza processo e aprende rápido.” — Luís Veloso
Essa disciplina técnica vem acompanhada de um pilar que eu considero inegociável: governança. Escalar agentes pede filtros de conteúdo sensível, trilhas de auditoria, regras vivas (que evoluem conforme surgem situações novas no contato entre pessoas e agentes) e integração limpa com o ecossistema da empresa (ERP/CRM). Para mim, IA é revolução operacional e social — exige regra do jogo desde o primeiro dia.
Crédito como ciência (Liquid): infraestrutura, não efeito especial

Luiza Ribeiro Caram, CCO e Co-founder da Liquid, no Ademi-AM Connections. Créditos: Luís Veloso/Morada.ai.
Na sequência, a Luiza Ribeiro Caram, CCO e Co-founder da Liquid, conectou inteligência artificial à prática do crédito no imobiliário. O fio condutor dela é disciplina de dados:
- Originação com menos fricção e sem “jeitinhos”;
- Monitoramento preditivo do risco ao longo do tempo (agir antes da dor);
- Cobrança segmentada por probabilidade de pagamento, em vez de passar a régua de forma homogênea.
Tudo isso assentado em LGPD, trilhas auditáveis e times treinados para usar o que a tecnologia entrega. Sem adoção interna, como ela lembrou, não existe ROI — existe demonstração.
Implementação com os pés no chão (Elera): agentes com papéis claros e entregas incrementais
O Rodrigo José Ferreira, CEO da Elera, trouxe o antídoto ao modismo “AI-first”: começar com um checklist do processo (o que é repetitivo, demorado, sujeito a erro?) e evoluir para agentes com tom, limites, gatilhos e ações definidos. Não é “um chat mais inteligente”: é um time de agentes automatizando decisões simples, enquanto as pessoas concentram energia no que é relacional e criativo.
Ele também apontou a próxima curva de maturidade: agentes conversando com agentes — atendimento orquestrando CRM/ERP, agenda e follow-ups, sem depender de “copiar e colar” humano. A peça que diferencia empresas? Comunicação clara e pedidos bem especificados: quando a pergunta é boa, a execução da inteligência artificial é melhor.
Onde a inteligência artificial já entrega (e como medir)
Para evitar o “piloto eterno”, consolidamos pontos de uso com métricas associadas:
- Aquisição e primeira resposta
Uso: agentes 24/7 para responder, qualificar e encaminhar.
Métricas: tempo de resposta, taxa de engajamento, qualificação. - Nutrição de médio prazo
Uso: jornadas personalizadas (interesses, praça, estágio).
Métricas: reativação, avanço de estágio, custo por oportunidade. - Fechamento
Uso: copiloto de proposta, objeções e “próxima melhor ação”.
Métricas: conversão por canal/campanha/corretor, tempo até proposta. - Pós-venda e crédito
Uso: explicação de prazos, acionamento de vistorias, negociação de parcelas por propensão a pagar.
Métricas: NPS, TMA de tickets, inadimplência e recuperação. - Governança
Uso: filtros, auditoria, versionamento de políticas, revisão de prompts.
Métricas: acurácia, cobertura de cenários, incidentes e aderência.
Liderança “mão na massa”: cultura antes de código
Eu bati bastante nessa tecla: lideranças precisam usar inteligência artificial na prática. Não se trata de programar, e sim de experimentar ferramentas, entender limites, validar respostas e saber o que pedir. Sem essa vivência, a organização patina em projetos intermináveis; com ela, captura ganhos incrementais semana a semana. Para mim, a cultura vem antes da pilha tecnológica — e habilita a tecnologia a, de fato, entregar.
Produtividade com propósito: do “fazer mais” ao “viver melhor”
O nosso encerramento deslocou o foco da planilha para a vida real. Se a inteligência artificial aumenta produtividade de verdade, o ganho que mais importa é tempo. Tempo devolvido ao time para pensar melhor, criar melhor, atender melhor — e, fora do escritório, estudar, cuidar da saúde e estar com a família. É a chave do que Domenico De Masi chamou de “ócio criativo”: não o ócio da inércia, mas o espaço fértil onde imaginação, conhecimento e convivência produzem trabalhos mais sólidos e vidas mais saudáveis.
A provocação final que levei foi simples e exigente: produtividade com propósito. Automatizar o que é burocrático para libertar atenção para o que diferencia — produto, relacionamento, criatividade. Em setores de ciclo longo e relacionamento sensível como o imobiliário, essa escolha não é cosmética: é estratégica.
Em síntese: um roteiro possível (e replicável)
- Desenhe o processo, depois automatize.
- Defina papéis e limites dos agentes.
- Mensure tudo e ajuste em ciclos curtos.
- Plante governança desde o dia zero.
- Invista em cultura: líderes que usam inteligência artificial, times que aprendem rápido.
Quando essa engrenagem gira, a inteligência artificial deixa de ser promessa e vira rotina que paga a própria conta — elevando margem, experiência e, principalmente, devolvendo tempo para que a gente faça o que só pessoas sabem fazer.
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